A prostituição em Maputo, conforme destacado na investigação

A investigação da *Integrity Magazine* expõe uma realidade crua e complexa sobre a prostituição informal em Maputo, Moçambique, revelando não apenas sua expansão, mas também as dinâmicas sociais, económicas e culturais que a sustentam. Abaixo, destaco os principais pontos levantados pelo relatório, complementados com uma análise mais ampla e reflexões sobre o contexto, com base nas informações fornecidas e no entendimento geral do fenóm


                              Expansão da Prostituição Informal em Maputo

- Cenário Urbano: A prostituição informal floresce em bairros como Albazine, Magoanine, Baixa da Cidade, Marginal e Polana Cimento, em locais como barracas, pensões, calçadas e carros estacionados. Esses espaços, muitas vezes improvisados, transformam-se em pontos de comércio sexual à noite, especialmente a partir das 20h, como observado em Albazine.


                         Diversidade de Perfis: Há dois espectros distintos:

  - Prostituição de Rua: Mais visível, vulnerável e estigmatizada, ocorre em bairros periféricos como Albazine e Magoanine, onde mulheres, muitas vezes mães ou jovens em situação de pobreza extrema, cobram valores como 500 meticais por encontros rápidos.

  - Prostituição de Alto Escalão: Na Marginal e Kenneth Kaunda, mulheres com aparência de classe média atendem clientes de maior poder aquisitivo, como executivos e estrangeiros, cobrando em dólares e viajando para destinos como Joanesburgo e Dubai.

- Códigos e Estruturas: Existe uma organização informal no "mercado" do sexo, com regras como descontos para clientes regulares, delimitação de territórios por zona (para evitar conflitos) e a presença de "protectores" que cobram por segurança. Ferramentas como o WhatsApp Business são usadas para agendar encontros com clientes de elite.

                                  2. Motivações e Contexto Socioeconómico

- Pobreza e Sobrevivência: A prostituição é, para muitas, um último recurso. Mulheres como Lúcia (27 anos, Albazine) e Teresa (21 anos, Magoanine) relatam que o trabalho sexual é mais lucrativo do que empregos formais, que pagam cerca de 4.000 meticais por mês, enquanto uma noite pode render até 3.000 meticais. A crise económica, agravada pelo escândalo das "dívidas ocultas" e pela suspensão de apoios internacionais, intensificou a pobreza, empurrando mais mulheres para essa atividade, como observado pelo sociólogo Lucca Bussotti.

- Consentimento Familiar: Um aspecto surpreendente é o envolvimento de maridos e namorados, alguns dos quais aceitam ou até facilitam o trabalho sexual das parceiras, como no caso de Joaquina (Hulene) e do casal na rua Araújo, onde o marido leva o bebé para a esposa amamentar no local de trabalho. Isso reflete a normalização do comércio sexual como estratégia de sustento familiar em contextos de extrema necessidade.

- Menores de Idade: A presença de adolescentes, algumas com apenas 15 ou 16 anos, no comércio sexual é alarmante. Estas jovens enfrentam abusos graves, como relatado por uma menor de 16 anos em Albazine, que sofreu violência sexual e contraiu uma infeção sexualmente transmissível (IST).


3. Violência, Abuso e Vulnerabilidades

- Violência Sexual e Física: Depoimentos como os de Elsa (Magoanine), Sílvia (Kenneth Kaunda) e Marlim (Baixa) revelam abusos frequentes, como retirada de preservativos sem consentimento, agressões físicas, ameaças com armas e até situações de estupro coletivo. Esses crimes raramente são denunciados devido ao estigma e à desconfiança na polícia.

- Exploração por Autoridades: Mulheres como Neli (Baixa) relatam que agentes da Polícia da República de Moçambique (PRM) exigem favores sexuais em troca de "liberdade", evidenciando uma violência institucionalizada. Uma fonte anónima da PRM admitiu que há ordens para "não mexer muito" devido à influência de clientes poderosos.

- Riscos de Saúde: A exposição a ISTs, incluindo HIV, é constante, especialmente quando clientes pagam mais para não usar preservativos. A ausência de acesso adequado a serviços de saúde e a vergonha dificultam a prevenção e o tratamento, como apontado pela psicóloga Mafalda António Meiroso.

- Tráfico e Exploração: Mulheres migrantes, especialmente estrangeiras, são particularmente vulneráveis, enfrentando chantagem e abusos devido à falta de documentação, como destacado por Bussotti.


                                       4. Impactos Psicológicos e Sociais

- Trauma e Saúde Mental: Mafalda Meiroso explica que muitas trabalhadoras do sexo sofrem de estresse pós-traumático, depressão, ansiedade e pensamentos suicidas, agravados pelo estigma social e pela violência. Algumas recorrem a drogas como escape.

- Estigma e Discriminação: A sociedade moçambicana, segundo Bussotti, trata essas mulheres com hipocrisia, desejo e discriminação, negando-lhes dignidade. Elas são vistas como "indignas", apesar de responderem a uma demanda social por serviços sexuais.

- Masculinidade Tóxica: Bussotti aponta que a procura por sexo pago reflete uma masculinidade frágil, onde homens buscam "sexo fácil" para compensar desequilíbrios pessoais ou familiares.


                                5.Silêncio das Autoridades e Falhas Sistémicas

- Conivência Policial: A investigação sugere que as autoridades muitas vezes ignoram ou participam do sistema, protegendo clientes influentes ou explorando as trabalhadoras. A ausência de intervenção efectiva perpetua a impunidade.

- Falta de Políticas Públicas: Não há leis específicas para proteger trabalhadoras do sexo em Moçambique, e o acesso a serviços de saúde mental ou apoio psicossocial é limitado, como apontado por Meiroso. A falta de alternativas económicas também impede que muitas saiam dessa vida.

  

                                         Propostas e Reflexões

  •                                         Soluções Propostas

  - Mafalda Meiroso: Defende a criação de programas de apoio psicológico, educação sobre direitos e saúde, e políticas públicas que gerem empregos para mulheres, reduzindo a dependência do trabalho sexual.

  - Lucca Bussotti: Sugere a legalização e regulamentação da prostituição, inspirada em modelos como o dos Países Baixos, onde trabalhadoras têm sindicatos, proteção e dignidade. Isso reduziria o estigma e os riscos associados.

- Sobrevivência vs. Escolha: Enquanto algumas mulheres, especialmente no escalão mais alto, escolhem o trabalho sexual de forma consciente, a maioria é empurrada pela pobreza e falta de opções. A linha entre escolha e sobrevivência é tênue, e culpar as mulheres ignora as falhas estruturais da sociedade.


                                            7. - Conclusão

A prostituição informal em Maputo é um reflexo de desigualdades profundas, onde a pobreza, a falta de oportunidades e a negligência estatal criam um ciclo de vulnerabilidade. As histórias de Lúcia, Teresa, Neli e outras mostram mulheres que, apesar da violência, do estigma e da exclusão, tentam sobreviver e sustentar suas famílias. A sociedade moçambicana, ao fingir que não vê essas mulheres, perpetua sua marginalização.


A pergunta final do relatório — "Por que as chamamos de indignas, quando é a própria sociedade que as empurra para o abismo?" — desafia a hipocrisia colectiva e exige uma reflexão urgente sobre justiça social, políticas públicas e respeito à dignidade humana. Sem intervenções concretas, como regulamentação, apoio psicossocial e oportunidades económicas, a prostituição informal continuará a ser uma ferida aberta em Moçambique.

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